saramago/a-jangada-de-pedra

Fonte: Wikisum
Aviso: Este resumo foi gerado por IA, portanto pode conter erros.
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A jangada de pedra
1986
Resumo do romance
O original lê-se em ~600 min
Microresumo
Após estranhos acontecimentos, a Península Ibérica separou-se da Europa. Um grupo improvável de viajantes percorreu-a orientado por um cão misterioso até que a península enfim parou de se mover.

Resumo breve

Portugal e Espanha, época contemporânea. Diversos acontecimentos estranhos ocorreram: Joana Carda riscou o chão com uma vara de negrilho, provocando latidos em cães mudos na França. Joaquim Sassa lançou uma pedra pesada ao mar que gerou grandes ondas, Pedro Orce sentiu um tremor de terra imperceptível aos demais, José Anaiço era seguido por um bando de estorninhos, e Maria Guavaira desfiava infinitamente um pé-de-meia azul.

Simultaneamente, apareceram grandes fendas nas montanhas entre Espanha e França. Uma delas, irremediável, abriu-se ao longo dos Pirenéus, separando completamente a Península Ibérica da Europa continental.

chegou o momento de dizer, agora chegou, que a Península Ibérica se afastou de repente, toda por inteiro e por igual, dez súbitos metros, quem me acreditará, abriram-se os Pirenéus de cima a baixo como se um machado invisível tivesse descido...

Após este afastamento abrupto, seguiu-se um apagão geral e o pânico coletivo. Houve uma fuga maciça de turistas enquanto os habitantes ocupavam hotéis vazios, reivindicando moradia digna. Os quatro protagonistas (Joana, Joaquim, Pedro e José) juntaram-se, descobrindo a ligação entre as suas vivências peculiares, guiados por um misterioso cão com fio azul.

Na Galiza, conheceram Maria Guavaira e formaram um grupo itinerante, vivendo das vendas de roupas. Joana e José, Joaquim e Maria desenvolveram relações afetivas. Mais tarde, uma gravidez coletiva misteriosa atingiu as mulheres, causando tensão, já que Pedro poderia ser o pai dos bebés. Contudo, Pedro Orce acabou por morrer pacificamente ao sentir que a península parara de mover-se.

Enterraram Pedro em Venta Micena sob a vara de negrilho de Joana, agora verdejante. A viagem continuou sem o cão, e a península estabilizou definitivamente.

Resumo detalhado

A divisão em capítulos é editorial.

O risco de Joana Carda e o latido dos cães de Cerbère

Quando Joana Carda riscou o chão com uma vara de negrilho num lugar de Portugal, os cães de Cerbère, na França, que sempre foram mudos, começaram a ladrar freneticamente. Este evento causou pânico entre os habitantes locais, pois uma antiga superstição dizia que o latido desses cães anunciava o fim do mundo. A lenda local associava os cães ao mitológico Cérbero, o cão de três cabeças que guardava a entrada do inferno. A mudez histórica dos cães de Cerbère era vista como um sinal de misericórdia divina, um silêncio para apagar a memória do inferno.

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Joana Carda — mulher adulta, separada recentemente do marido, introspectiva, catalisadora de eventos inexplicáveis ao riscar o chão com uma vara de negrilho, olhos cor de céu novo.

Joana Carda, questionada sobre o seu gesto, não soube explicar o motivo, afirmando que simplesmente pegou no pau e riscou o chão, sem pensar nas consequências ou em poderes sobrenaturais. Ela acreditava na força do destino, como ouvira dos mais velhos.

O que tem de ser, tem de ser, e tem muita força, não se pode resistir-lhe, mil vezes o ouvi à gente mais velha, Acredita na fatalidade, Acredito no que tem de ser.

Em Paris, as autoridades inicialmente zombaram dos apelos do maire de Cerbère, mas, por insistência de um deputado local, enviaram dois veterinários para investigar. Desesperados com o barulho incessante, os habitantes envenenaram bolos de carne. Apenas um cão velho, Médor, morreu, comido pelo bolo preparado pela própria dona. Os outros cães fugiram para os campos e subitamente se calaram. A autópsia de Médor revelou algo espantoso: ele não possuía cordas vocais. Os veterinários, perplexos, decidiram omitir este detalhe no relatório.

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O Maire de Cerbère — homem, autoridade local francesa, desesperado com o ladrar dos cães mudos, tenta resolver a situação, representa a reação inicial e incrédula das autoridades.

A pedra de Joaquim Sassa e o tremor de Pedro Orce

Por volta da mesma época, numa praia do norte de Portugal, Joaquim Sassa passeava ao entardecer. Ele apanhava conchas e outros detritos marinhos, devolvendo-os ao mar. Encontrou uma pedra pesada, irregular, fora do alcance das marés. Embora soubesse das suas poucas forças, atirou a pedra ao mar. Surpreendentemente, a pedra voou longe, quicou várias vezes na água antes de afundar, causando uma grande onda. Sassa ficou perplexo com a força inexplicável que manifestara, lamentando não ter testemunhas.

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Joaquim Sassa — homem adulto, cerca de 35-40 anos, empregado de escritório, solitário, inicialmente cético mas depois envolvido nos eventos, atira uma pedra pesada ao mar.

O narrador reflete sobre a dificuldade de narrar eventos simultâneos, como o lançamento da pedra por Sassa e o levantar de Pedro Orce de uma cadeira em Espanha, separados por uma hora de fuso horário mas ocorrendo no mesmo instante universal.

Sabido é que todo o efeito tem sua causa... porém, não é possível evitar alguns erros de juízo... pois acontece considerarmos que este efeito provém daquela causa, quando afinal ela foi outra, muito fora do alcance do entendimento que temos...

Pedro Orce, ao levantar-se da cadeira na sua farmácia em Espanha, sentiu a terra tremer sob os seus pés. Ninguém mais pareceu notar o abalo, nem mesmo os sismógrafos registaram qualquer atividade. Orce continuou a sentir a vibração subtil enquanto caminhava pela rua, mas manteve a sua percepção em segredo, ciente de que não acreditariam nele.

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Pedro Orce — homem idoso, farmacêutico em Orce (Espanha), mais de 60 anos, magro, cabelo quase branco, sente a terra tremer quando mais ninguém sente, torna-se amigo do Cão.

Os estorninhos de José Anaiço e o fio azul de Maria Guavaira

Numa planície alagadiça em Portugal, José Anaiço caminhava acompanhado por um enorme e ruidoso bando de estorninhos. As aves seguiam-no fielmente, esperando por ele mesmo quando teve de contornar uma grande lagoa, um comportamento inexplicável para Anaiço. O narrador pondera sobre a natureza dos instintos e das razões, tanto humanas quanto animais.

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José Anaiço — homem adulto, professor primário numa vila ribatejana, seguido por um bando de estorninhos, racional mas aberto ao inexplicável, envolve-se com Joana Carda.

as vidas não começam quando as pessoas nascem, se assim fosse, cada dia era um dia ganho, as vidas principiam mais tarde, quantas vezes tarde de mais... por isso é que o outro gritou, Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido.

Entretanto, noutra casa silenciosa, Maria Guavaira encontrou um velho pé-de-meia vazio e começou a desfazer as suas malhas por desfastio. O fio de lã azul parecia não ter fim, acumulando-se numa montanha crescente aos seus pés, enquanto o pé-de-meia mantinha o seu tamanho original, desafiando a lógica de que o conteúdo não pode ser maior que o continente.

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Maria Guavaira — mulher adulta, viúva há três anos, vive sozinha numa casa isolada na Galiza, desfaz um pé-de-meia azul cujo fio parece infinito, envolve-se com Joaquim Sassa.

As fendas nos Pirenéus: Cerbère e Orbaiceta

Uma fenda subtil surgiu numa grande laje de pedra nos Montes Alberes, perto de Cerbère, onde vagueavam os cães expulsos. Um desses cães, Ardent, atraído pelo estalar da rocha, observou a fenda alargar-se e aprofundar-se, rasgando a pedra de lado a lado e criando uma divisão entre França e Espanha. O cão, inquieto, saltou de volta para o lado francês.

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O Cão (Constante, Fiel, Piloto, Ardent) — cão grande, robusto, pêlo fulvo, misterioso, não ladra, guia os viajantes, parece ter ligação com os eventos sobrenaturais, carrega um fio de lã azul na boca.

Longe dali, perto de Roncesvales, em Orbaiceta, Espanha, junto ao rio Irati, ocorreu um fenómeno ainda mais drástico. A água do rio simplesmente desapareceu, como se uma torneira tivesse sido fechada. O leito do rio ficou exposto, com peixes a morrer. Engenheiros da barragem local foram investigar e descobriram que o rio não alimentava mais o reservatório. Após discussões e telefonemas para as autoridades superiores, foi ordenada uma expedição para descobrir a causa, mantendo o incidente em segredo dos franceses.

A expedição descobriu que as águas do Irati se precipitavam numa fenda de cerca de três metros de largura, desaparecendo no interior da terra. Franceses já se encontravam do outro lado da fronteira, igualmente perplexos. Helicópteros sobrevoaram o local, mas a causa permanecia um mistério. Autoridades locais de Orbaiceta e Larrau (França) reuniram-se para discutir o potencial turístico do fenómeno, mas a questão da localização exata da fenda – se em território espanhol ou francês – levantou complicações diplomáticas.

A ruptura na fronteira e o fracasso do betão

Geólogos de várias nacionalidades convergiram para a área do Irati, debatendo teorias sobre as causas da fenda, como elevação tectónica ou compensação isostática. Enquanto isso, uma nova e maior fratura surgiu nos Pirenéus Orientais, no ponto exato da fronteira franco-espanhola, cortando a estrada e uma área de estacionamento. Este novo evento desviou toda a atenção de Orbaiceta.

A nova fenda foi descoberta por um automobilista português, Sousa, que sentiu o carro dar um salto. Inicialmente pequena, a fenda rapidamente se alargou. As autoridades decidiram preenchê-la com betão. Betoneiras de ambos os países trabalharam incessantemente, e a ideia de usar grandes gatos de aço para segurar as bordas foi aprovada. O nível do betão começou a subir, e a vitória parecia iminente.

Quando o enchimento atingiu o nível da estrada, houve celebração geral. Contudo, perante as câmaras de televisão que transmitiam ao vivo, a massa de betão começou a descer inexplicavelmente, sendo sugada para as profundezas, revelando novamente a brecha, agora muito mais funda. O pânico instalou-se, e a área foi evacuada rapidamente. Um arrepio de medo percorreu a península e a Europa.

A separação da Península Ibérica e o apagão

O medo espalhou-se. Em Cerbère e outras povoações costeiras próximas, os habitantes começaram a fugir para o interior, temendo o fim do mundo. Apenas os mortos permaneceram, indiferentes. Um sismólogo comentou a ausência de tremores de terra durante estes eventos, ao que outro respondeu que a explicação viria a seu tempo. Em Espanha, Pedro Orce, que sentia a terra tremer há dias, decidiu ir a Granada contar a sua experiência à televisão, ganhando breve notoriedade.

A Europa assistia aflita enquanto os Pirenéus continuavam a rachar-se. Uma linha negra abria-se sobre os cumes nevados. Helicópteros transportavam peritos, mas a força humana era impotente. A fronteira terrestre entre a Península Ibérica e o resto da Europa tornou-se intransponível. Os mares começaram a entrar pelos novos canais formados pela fractura.

Então, subitamente, toda a Península Ibérica afastou-se dez metros da Europa. Os cabos de alta tensão que ligavam França e Espanha rebentaram, causando um apagão total na península. Durante quinze minutos, a escuridão foi completa, gerando pânico e a sensação do fim iminente, até que as conexões de emergência restabeleceram a energia.

Mas quando todas as luzes da península se apagaram ao mesmo tempo... quando quinhentos e oitenta e um mil quilómetros quadrados de terras se tornaram invisíveis na face do mundo, então não houve mais dúvidas, o fim de tudo chegara.

O êxodo dos turistas e a reação internacional

A confirmação da separação completa da Península Ibérica desencadeou um êxodo maciço de turistas. Centenas de milhares abandonaram hotéis e parques de campismo, causando gigantescos congestionamentos nas estradas. Carros foram abandonados por toda a parte, especialmente perto dos aeroportos, que foram invadidos por multidões desesperadas por voos. Houve subornos, vendas apressadas de bens e até violência, com tiroteios em alguns aeroportos.

A fuga estendeu-se aos portos marítimos. Barcos de pesca e outras embarcações foram fretados a preços exorbitantes para levar os fugitivos para ilhas próximas ou para a Europa continental e Marrocos. Alguns turistas, no entanto, decidiram ficar, aceitando o evento como um sinal do destino. Enquanto isso, os governos de Portugal e Espanha emitiram comunicados tranquilizadores e criaram uma comissão paritária de crise.

A Comunidade Económica Europeia declarou que os acordos permaneceriam em vigor, apesar de algum debate interno sobre a conveniência de manter os países ibéricos. A NATO adotou uma postura de "esperar para ver". Então, a Península moveu-se mais um pouco.

e a massa de pedra e terra, coberta de cidades, aldeias, rios, bosques, fábricas, matos bravios, campos cultivados, com a sua gente e os seus animais, começou a mover-se, barca que se afasta do porto e aponta ao mar outra vez desconhecido.

O encontro dos três homens: Pedro Orce, Joaquim Sassa e José Anaiço

Pedro Orce, Joaquim Sassa e José Anaiço encontraram-se debaixo de uma oliveira cordovil, perto da aldeia espanhola onde Pedro Orce vivia. O rádio noticiava que a velocidade de deslocação da península estabilizara em cerca de 750 metros por hora e que uma fenda isolara Gibraltar, levando o governo britânico a reafirmar a sua soberania sobre o rochedo, agora uma ilha.

O encontro não foi obra do acaso. Joaquim Sassa partira da sua praia no norte de Portugal após ouvir na televisão sobre Pedro Orce, o homem que sentia a terra tremer. Intrigado pela ligação entre o seu próprio ato inexplicável de atirar a pedra e o fenómeno sentido por Orce, Sassa viajou para Espanha no seu velho carro. José Anaiço, o professor seguido pelos estorninhos, também se juntara a eles, vindo dos campos do Ribatejo. Os três homens, ligados por eventos extraordinários e inexplicáveis, reuniram-se naquele lugar isolado da Andaluzia.

A viagem de Joaquim Sassa e José Anaiço para Espanha

Joaquim Sassa viajou sozinho de Portugal para Orce, em Granada, para encontrar Pedro Orce. Durante a viagem, ouviu no rádio um apelo das autoridades portuguesas pedindo a sua comparência para ajudar a esclarecer as causas da ruptura geológica. Temendo ser considerado culpado ou sujeito a experiências, Sassa decidiu não se apresentar e continuar a viagem clandestinamente. Passou a noite no carro para evitar hotéis.

Numa vila ribatejana, enquanto jantava, ouviu falar do caso de José Anaiço, o professor local seguido por um bando de estorninhos. Intrigado por mais este fenómeno inexplicável, Sassa decidiu procurar Anaiço antes de seguir para Espanha. Encontrou o professor na sua casa, junto à escola, e contou-lhe a sua história e a de Pedro Orce. José Anaiço, sentindo uma ligação entre os eventos, decidiu acompanhar Sassa na viagem.

Partiram de madrugada. Os estorninhos, que tinham passado a noite numa figueira no quintal de Anaiço, seguiram o carro. Apesar das tentativas de os despistar, as aves persistiram, alcançando-os mesmo após longas distâncias percorridas em alta velocidade. Anaiço, pressentindo algo, pediu a Sassa que diminuísse a marcha, aceitando a companhia inexplicável das aves.

Na fronteira com Espanha, temendo a detenção de Sassa, os estorninhos intervieram de forma decisiva. Desceram em massa sobre o posto fronteiriço, causando confusão e pânico entre os guardas portugueses e espanhóis, permitindo que os dois homens atravessassem sem serem devidamente controlados. Alguns pássaros foram abatidos por um guarda espanhol.

A chegada a Orce e a decisão de ver Gibraltar

Viajando pela Andaluzia sob o dossel dos estorninhos, encontraram Roque Lozano, um homem montado num burro chamado Platero, que viajava para os Pirenéus para verificar pessoalmente a separação da península, cético em relação às notícias. Lozano representava a incredulidade de muitos espanhóis perante os eventos.

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Roque Lozano — homem andaluz, de Zufre (Huelva), viaja de burro (Platero) para ver se a separação da península é verdade, cético, junta-se ao grupo na viagem de regresso.

Em Granada, procuraram informações sobre Orce no posto de turismo. Foram atendidos por Maria Dolores, uma antropóloga que trabalhava ali. Ela indicou-lhes o caminho, mencionando a descoberta do "Homem de Orce" em Venta Micena, nas proximidades.

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Maria Dolores — mulher jovem, empregada do turismo em Granada, antropóloga de formação, feminista por irritação, informa José Anaiço e Joaquim Sassa sobre Orce e Venta Micena.

Finalmente chegaram a Orce e encontraram Pedro Orce na sua farmácia. Relataram-lhe as suas próprias experiências insólitas. Pedro Orce confirmou que continuava a sentir o tremor da terra. Reunidos sob a oliveira onde mais tarde se encontrariam, partilharam as suas histórias e decidiram que os eventos estavam interligados. Foi então que Pedro Orce sugeriu irem à costa ver Gibraltar passar, agora uma ilha à deriva.

No caminho, passaram por Venta Micena, terra natal de Pedro Orce e local da descoberta paleontológica. A paisagem desoladora impressionou os viajantes. Chegaram à costa sul, juntando-se a uma multidão de espanhóis que acampara para assistir à passagem de Gibraltar. Contudo, José Anaiço calculou que o rochedo só passaria por ali em dez dias. Desapontados, decidiram regressar.

A invasão dos hotéis no Algarve

De regresso a Portugal, ao atravessarem a fronteira pelo Algarve, foram informados pela polícia sobre uma situação tensa: a população local estava a ocupar os hotéis deixados vagos pelos turistas, reivindicando o direito a uma habitação digna. Havia confrontos com as forças da ordem.

Intrigados, os três homens desviaram-se do seu caminho para Lisboa e dirigiram-se a Albufeira para observar a situação. Chegaram a tempo de assistir a um confronto entre os populares, liderados por um orador eloquente, e as forças militares. Após um discurso inflamado do líder popular e uma resposta rude do comandante militar, a multidão carregou sobre as tropas.

No meio da confusão, Joaquim Sassa, Pedro Orce e José Anaiço viram-se envolvidos na luta. Os populares conseguiram romper o cerco e dispersar-se pela cidade, ocupando mais hotéis, um dos quais lhes abriu as portas voluntariamente. Os três amigos acabaram por ocupar um quarto, que mais tarde cederam a uma família necessitada. O movimento de ocupação alastrou-se rapidamente por Portugal e Espanha, causando alarme na Europa e uma nova vaga de emigração dos ricos e poderosos da península.

A chegada a Lisboa e o encontro com Joana Carda

Após alguns dias no Algarve, os três homens seguiram para Lisboa. Chegaram ao cair da tarde, atravessando a ponte sobre o Tejo. Instalaram-se num modesto hotel perto do Cais do Sodré. Os estorninhos, que tinham seguido José Anaiço até ali, pousaram no telhado do hotel, atraindo a atenção da imprensa e do público.

Um jornalista perspicaz descobriu os nomes de Joaquim Sassa e Pedro Orce no livro de hóspedes e ligou-os aos eventos noticiados. Entrevistados, os dois confirmaram as suas histórias. José Anaiço, por solidariedade, revelou ser ele o homem seguido pelos estorninhos. A história dos três tornou-se sensação mediática. Preocupados com as repercussões, decidiram permanecer juntos.

No dia seguinte, enquanto Joaquim Sassa e Pedro Orce eram levados por autoridades para um inquérito, José Anaiço ficou no hotel. Recebeu a visita de uma mulher que se apresentou como Joana Carda. Ela trazia consigo a vara de negrilho e contou a sua história: o risco que fizera no chão, perto de Coimbra, não desaparecia, reconstituindo-se sempre que era apagado. Joana acreditava que o seu ato estava ligado aos eventos que se seguiram e viera procurar os outros protagonistas.

José Anaiço sentiu uma forte ligação com Joana e, nesse momento, pela primeira vez, sentiu o chão mover-se como um convés. Os estorninhos, que tinham voltado a sobrevoar o local, partiram subitamente em direção ao sul, desaparecendo para sempre. Joana Carda hospedou-se noutro hotel, o Borges, para evitar maior atenção.

Quando Sassa e Orce regressaram, José Anaiço contou-lhes sobre Joana Carda e o risco indelével. Decidiram ir com ela verificar o fenómeno. A viagem para norte começou, com Joana e José Anaiço a desenvolverem uma ligação especial. Chegaram a Ereira, perto de Coimbra, e Joana levou-os a uma clareira isolada onde estava o risco. Testemunharam a sua natureza inexplicável: apagado, refazia-se sozinho. Nesse momento, um grande cão fulvo apareceu, observou-os e afastou-se.

Quando se preparavam para partir, o cão reapareceu, trazendo na boca um fio de lã azul, e impediu Joana Carda de avançar. Pedro Orce comunicou com o animal e compreendeu que ele queria que o seguissem. O cão tornou-se o guia do grupo.

A jornada seguiu para norte, guiada pelo cão. Passaram por Santiago de Compostela e continuaram. O fio azul na boca do cão pareceu renovar-se. Chegaram a uma casa isolada na Galiza ao pôr do sol. O cão parou. Joaquim Sassa sentiu um fio azul invisível ligá-lo à casa. Uma mulher saiu da casa, segurando a outra ponta do fio: era Maria Guavaira.

Maria Guavaira acolheu-os. Contou como o cão lhe aparecera ferido semanas antes, e como partira levando um pedaço do fio azul interminável que ela desfiava do pé-de-meia. A ligação entre todos tornou-se evidente. Joaquim Sassa e Maria Guavaira sentiram uma forte atração. Pedro Orce, sentindo-se deslocado, saiu para explorar a costa com o cão e descobriu uma formação rochosa semelhante a um barco de pedra.

Maria Guavaira contou a lenda local sobre santos que chegaram à costa em barcas de pedra. As notícias informaram que a península mudara de rumo, dirigindo-se para norte, após quase colidir com os Açores. O grupo decidiu continuar a viagem, mas o carro de Sassa avariou definitivamente. Adaptaram uma velha galera puxada por um cavalo de Maria Guavaira.

Precisando de um segundo cavalo, Maria Guavaira e Joaquim Sassa, guiados pelo cão, roubaram um cavalo alazão que encontraram peado num campo. A galera, agora chamada "Dois Cavalos", prosseguiu viagem, tornando-se uma comunidade nómada que vendia roupas para subsistir. A relação entre os casais aprofundou-se, mas Pedro Orce sentia-se cada vez mais isolado.

A península parou de se mover para norte e começou a girar sobre si mesma, em sentido anti-horário, e a derivar para sul. Este novo movimento causou espanto e novas teorias científicas. O grupo continuou a viajar, agora pela Catalunha. Numa paragem, Pedro Orce encontrou Roque Lozano, o homem do burro Platero, que regressava da sua infrutífera viagem aos Pirenéus. Lozano juntou-se ao grupo.

A península completou meia volta e começou a "cair" para sul. Uma gravidez coletiva varreu a península, incluindo Joana Carda e Maria Guavaira. Ambas confessaram aos seus companheiros que não sabiam quem era o pai, se eles ou Pedro Orce, devido a um encontro piedoso ocorrido dias antes. A revelação causou tensão, mas os homens aceitaram esperar o nascimento para talvez identificar a paternidade.

Pedro Orce, sentindo a tensão e talvez pressentindo o fim, tornou-se mais retraído. Perto de Bienservida, sentiu que a terra deixara de tremer sob os seus pés e mãos. Deitou-se no chão e morreu pacificamente. O grupo decidiu levá-lo para ser enterrado em Venta Micena, o seu local de nascimento.

Viajaram durante a noite e enterraram Pedro Orce numa colina perto da Cova dos Rosais, marcando o local com a vara de negrilho de Joana Carda. O cão Constante permaneceu junto à sepultura, não seguindo mais o grupo. A península parou completamente o seu movimento.

A península parou. Os viajantes descansarão aqui este dia, a noite e a manhã seguinte. Chove quando vão partir. Chamaram o cão... mas ele não foi... A viagem continua... que futuro, que tempo, que destino. A vara de negrilho está verde...