saramago/claraboia
Resumo breve
Num prédio residencial em Lisboa, o sapateiro Silvestre alugou um quarto para complementar seu orçamento modesto. A chegada do jovem Abel Nogueira trouxe novo interesse à vida reflexiva de Silvestre, marcada pela rotina e lembranças revolucionárias.
Entre moradores do andar de baixo, um casal infeliz marcado pelo desprezo mútuo foi abalado pela memória da filha falecida. Outro apartamento era ocupado por uma mulher sedutora sustentada por um amante mais velho, que a abandonou para cortejar uma jovem ambiciosa do último piso, gerando crises pessoais e escândalos no prédio inteiro.
Por outro lado, uma família problemática, com uma esposa espanhola frustrada no casamento e saudosa de sua terra natal, viu crescer a tensão após o filho adoecer. No andar vizinho, um grupo de quatro mulheres conviveu com um episodio silencioso e constrangedor entre as irmãs após leitura influenciadora de um romance proibido.
Uma carta anônima acusou injustamente Abel de ser amante da vizinha, gerando conflitos entre os moradores. Mesmo inocente, Abel decidiu deixar o prédio. Em sua última conversa com Silvestre, refletiu sobre a humanidade. Silvestre, melancólico, afirmou:
"Tudo o que não for construído sobre o amor gerará o ódio! [...] Mas talvez tenha de ser assim durante muito tempo... O dia em que será possível construir sobre o amor não chegou ainda..."
Resumo detalhado
A divisão em capítulos é editorial.
O sapateiro Silvestre e a chegada de Abel ao prédio
Num prédio de Lisboa, vivia o sapateiro Silvestre com sua esposa Mariana. Ele era um homem de meia-idade que trabalhava em casa, consertando sapatos junto à janela, de onde observava a vida do bairro. Certo dia, decidiu alugar um quarto para complementar a renda, colocando um anúncio no jornal. Após alguns contratempos com a vizinha espanhola Carmen, que recebeu candidatos por engano, finalmente apareceu um jovem interessado.
O rapaz se apresentou como Abel Nogueira, um homem de 28 anos que trabalhava como apontador de obras. Silvestre gostou dele imediatamente, impressionado com sua educação e sinceridade. Após acertarem o preço do aluguel, Abel mudou-se para o quarto, trazendo consigo poucas posses, mas muitos livros. Logo se estabeleceu uma rotina agradável entre eles, com partidas de damas à noite e conversas filosóficas.
"Quando me sinto preso, corto o tentáculo. Às vezes, faz doer, mas não há outro remédio. Compreende? [...] Sou frágil, acredite. E é a certeza da minha fragilidade que me leva a furtar o corpo aos laços."
Abel revelou a Silvestre seu passado de dificuldades e sua filosofia de vida: não criar raízes, não se prender a nada nem a ninguém. Contou como, desde os dezesseis anos, vivia sozinho, passando por diversos empregos e situações difíceis, mas sempre mantendo sua liberdade. Silvestre, por sua vez, compartilhou suas experiências de juventude, incluindo seu passado revolucionário, criando um vínculo de amizade e respeito mútuo entre eles.
As quatro mulheres do segundo andar e as tensões na família Fonseca
No segundo andar direito do prédio, viviam quatro mulheres: Cândida, sua irmã Amélia e suas duas filhas, Isaura e Adriana. As quatro compartilhavam uma vida modesta e rotineira, encontrando consolo na música que ouviam todas as noites. Adriana trabalhava como escriturária e mantinha um diário secreto onde registrava seus pensamentos e seu amor não correspondido por um colega de trabalho. Isaura, por sua vez, costurava camisas para uma loja e era ávida leitora de romances.
Uma noite, após as tias e a mãe dormirem, ocorreu um incidente perturbador entre as irmãs. Isaura, influenciada pela leitura do romance 'A Religiosa' de Diderot, teve um impulso inadequado em relação à irmã adormecida. Adriana acordou assustada e refugiou-se junto à janela. Este episódio criou uma tensão silenciosa entre as duas, que tentavam disfarçar diante da família, mas que não escapou à percepção de tia Amélia, que começou a investigar o motivo do afastamento.
No segundo andar esquerdo, vivia a família Fonseca: Emílio, Carmen e o filho Henrique. O casal mantinha uma relação tensa e conflituosa. Carmen, espanhola de origem, sentia-se infeliz no casamento e nostálgica de sua terra natal. Emílio, por sua vez, sentia-se preso numa vida sem sentido. Quando o filho adoeceu com uma angina, as tensões aumentaram, com Carmen acusando o marido de negligência por não querer chamar um médico.
O casamento infeliz de Justina e Caetano Cunha
No primeiro andar esquerdo, vivia o casal Justina e Caetano Cunha. Ele trabalhava como linotipista no jornal 'Notícias do Dia', em turnos noturnos, e ela era uma mulher diabética e extremamente magra. O casamento deles era marcado pelo silêncio e pelo desprezo mútuo. Justina mantinha uma postura fria e distante, enquanto Caetano, homem corpulento e grosseiro, frequentemente procurava outras mulheres fora de casa.
"Havia no ar um cheiro a bafio. As janelas sempre fechadas produziam aquela atmosfera de túmulo — e Justina era tão lenta e tardia que a limpeza da casa nunca se fazia completamente."
A casa deles refletia a frieza da relação: móveis baços, paredes nuas, um ambiente de abandono e tristeza. O único ponto de luz era o retrato da filha Matilde, falecida dois anos antes de meningite. Esta perda aprofundou ainda mais o abismo entre o casal. Caetano, frustrado com a indiferença da esposa, tentou uma estratégia para humilhá-la, escrevendo uma carta anônima para si mesmo, acusando-a de infidelidade.
A farsa não funcionou como esperado. Justina, percebendo a manobra, expôs-se nua diante do marido, desafiando-o a dizer se alguém a desejaria naquele estado. Este episódio humilhante para Caetano acabou, paradoxalmente, despertando nele um desejo obsessivo pela esposa. Numa noite, ao retornar do trabalho, ele a possuiu à força, mas para sua surpresa, Justina correspondeu com igual furor, deixando-os ambos confusos sobre seus sentimentos e sobre o futuro da relação.
Lídia e sua relação com Paulino Morais
No primeiro andar direito, vivia Lídia, uma mulher de 32 anos que mantinha uma relação com Paulino Morais, um homem casado de 56 anos, administrador de uma companhia de seguros. Lídia vivia confortavelmente graças a esta relação, recebendo Paulino três vezes por semana em sua casa. Ele exigia que ela o recebesse sempre em trajes íntimos, uma camisa de noite decotada que deixava à mostra seu corpo bem formado.
Lídia recebia regularmente a visita de sua mãe, que vinha buscar dinheiro e que, apesar de aparentar desaprovar o estilo de vida da filha, beneficiava-se dele. Durante uma dessas visitas, a mãe insinuou que Lídia deveria ter cuidado para não perder Paulino, o que provocou uma discussão acalorada entre as duas. Lídia acusou a mãe de só se importar com o dinheiro que recebia dela.
"Tudo está bem enquanto não se começam a dizer indecências, enquanto não se começam a dizer verdades! [...] A verdade, às vezes, parece indecência."
A relação entre Lídia e Paulino começou a deteriorar-se quando ele demonstrou interesse por Maria Cláudia, a jovem filha dos vizinhos do andar de cima. Lídia percebeu a mudança no comportamento do amante e, quando soube que a família da moça havia pedido sua ajuda para conseguir um emprego para a filha na companhia de Paulino, viu nisso uma ameaça. Tentou dissuadir Paulino, mas ele já estava fascinado pela juventude de Maria Cláudia.
A situação chegou ao ápice quando Paulino recebeu uma carta anônima acusando Lídia de traí-lo com Abel, o hóspede do sapateiro. Furioso, confrontou Lídia, que não confirmou nem negou a acusação, apenas questionou por que ele continuaria com alguém em quem não confiava. Incapaz de lidar com a situação e já interessado em Maria Cláudia, Paulino rompeu o relacionamento, deixando Lídia sozinha e sem sua principal fonte de sustento.
A família espanhola e os conflitos entre Carmen e Emílio
Carmen e Emílio Fonseca viviam em constante conflito. Ela, espanhola da Galiza, sentia-se deslocada em Portugal e arrependida de ter se casado com Emílio em vez de seu primo Manolo, que tinha uma fábrica de escovas em Vigo. Emílio, por sua vez, sentia-se preso num casamento infeliz e numa vida sem propósito, mas não tinha coragem de mudar sua situação.
Quando o filho Henrique adoeceu, as tensões aumentaram. Carmen acusou o marido de negligência por não querer chamar um médico, e Emílio, sentindo-se culpado, passou a dedicar mais atenção ao filho. Isto provocou ciúmes em Carmen, que temia perder o amor do menino. Durante a convalescença, Henrique desenvolveu um apego maior pelo pai, o que intensificou o ressentimento de Carmen.
Após saber do escândalo envolvendo Lídia e Paulino Morais, Carmen começou a considerar a possibilidade de não retornar ao marido. Recebeu uma carta de sua mãe convidando-a a passar uma temporada na Espanha com o filho. Viu nisto uma oportunidade de escape e, com a concordância de Emílio, preparou-se para a viagem. No post-scriptum da carta, sua mãe mencionava que o primo Manolo esperava ansiosamente por sua visita.
"Todos nós trazemos ao pescoço a canga da monotonia, todos esperamos, sabe o diabo o quê! Sim, todos esperamos! Mais confusamente uns que outros, mas a expectativa é de todos..."
No dia da partida, Carmen e Henrique despediram-se de Emílio na estação. Ele ficou sozinho, finalmente livre, mas sem saber o que fazer com essa liberdade. Passou o primeiro dia vagando pela cidade, gastando dinheiro em restaurantes caros e cinema, sentindo-se eufórico. À noite, porém, ao voltar para casa vazia, sentiu-se perdido e confuso. Na manhã seguinte, recuperou o ânimo e saiu para a rua com um novo brilho no olhar, determinado a aproveitar sua liberdade temporária.
Maria Cláudia e sua nova oportunidade de emprego
No último andar do prédio, vivia a família de Anselmo e Rosália com sua filha Maria Cláudia, uma jovem bonita e ambiciosa de 19 anos. Anselmo era um homem autoritário em casa, obcecado por futebol, enquanto Rosália era submissa ao marido e preocupada com a filha. Maria Cláudia trabalhava como datilógrafa, mas ganhava pouco, o que preocupava seus pais.
Rosália sugeriu pedir ajuda a Lídia, que poderia interceder junto a Paulino Morais para conseguir um emprego melhor para a filha. Anselmo, inicialmente relutante por questões morais, acabou concordando. Lídia aceitou ajudar e falou com Paulino, que se mostrou interessado em conhecer a jovem. Maria Cláudia foi apresentada a ele e, apesar de não saber estenografia como ele exigia, conseguiu impressioná-lo com sua beleza e juventude.
Paulino ofereceu-lhe um emprego em sua companhia, com a condição de que aprendesse estenografia nos três meses seguintes. Maria Cláudia aceitou entusiasmada e começou a frequentar aulas noturnas. Anselmo, preocupado com a filha, passou a acompanhá-la nas aulas após descobrir que ela encontrava um rapaz no caminho. Com o tempo, porém, cansou-se desta vigilância e, quando a filha recebeu um aumento de salário, viu nisso a confirmação de que suas preocupações eram infundadas.
O que Anselmo não sabia era que Paulino havia começado a assediar sua filha. Após o rompimento com Lídia, ele chamou Maria Cláudia ao seu gabinete e, sob o pretexto de explicar a situação, fez-lhe insinuações e chegou a beijá-la. A jovem, embora perturbada, não rejeitou completamente suas investidas, vendo nelas uma oportunidade de ascensão social e econômica. Voltou para casa confusa, sem contar aos pais o ocorrido, mas prometendo a si mesma que o faria no dia seguinte.
A carta anônima e suas consequências
A carta anônima que acusava Lídia de trair Paulino com Abel causou grande agitação no prédio. Todos os moradores logo souberam do rompimento e formaram suas opiniões. Anselmo e Rosália decidiram cortar relações com Lídia, considerando-a uma mulher sem moral. Caetano Cunha, que sempre observara Lídia com desejo, viu na situação uma oportunidade de vingança contra ela, que nunca lhe dera atenção.
Abel, injustamente envolvido no escândalo, tentou esclarecer a situação com Paulino Morais. Foi ao seu escritório, mas foi expulso sem chance de explicação. Telefonou para sua casa, mas Paulino o chamou de canalha e desligou. Percebendo que sua presença no prédio só pioraria a situação para Lídia, Abel decidiu mudar-se, apesar do carinho que sentia por Silvestre e Mariana.
"Aprendi a ver mais longe que a sola destes sapatos, aprendi que, por detrás desta vida desgraçada que os homens levam, há um grande ideal, uma grande esperança."
Na noite anterior à sua partida, Abel e Silvestre tiveram uma longa conversa filosófica. Silvestre falou sobre a importância do amor entre os homens, um amor lúcido e ativo que pudesse transformar o mundo. Abel, cético, questionou a eficácia desse amor diante da realidade brutal da vida. Silvestre insistiu que, sem amor, a humanidade continuaria presa em ciclos de ódio e destruição.
"Quando ouvir falar no homem, lembre-se dos homens. O Homem, com H grande, como às vezes leio nos jornais, é uma mentira, uma mentira que serve de capa a todas as vilanias."
Abel reconheceu a sabedoria de Silvestre, mas argumentou que o sapateiro, agora idoso, substituíra a ação por palavras. Silvestre não negou, admitindo que a idade trouxera limitações à sua capacidade de agir. Abel, por sua vez, confessou que ainda não sabia qual caminho seguir, mas que as conversas com Silvestre o haviam ajudado a refletir sobre a necessidade de encontrar seu próprio caminho, mesmo que este não fosse o do amor universal que o sapateiro pregava.
As investigações de tia Amélia e as decisões finais dos moradores
Tia Amélia, intrigada com o afastamento entre Isaura e Adriana, decidiu investigar o que havia acontecido. Aproveitando a ausência das sobrinhas, conseguiu fazer uma cópia da chave da gaveta de Adriana e leu seu diário secreto. Descobriu que a sobrinha estava apaixonada por um colega de trabalho que não correspondia a seus sentimentos, mas não encontrou nada que explicasse a tensão entre as irmãs.
Continuando sua investigação, Amélia lembrou-se que o problema começara após Isaura ler o romance 'A Religiosa' de Diderot. Compreendendo finalmente o que havia ocorrido, sentiu-se envergonhada por ter violado a privacidade das sobrinhas. Jogou fora as chaves falsas e, para compensar sua intrusão, comprou e pendurou na parede a máscara de Beethoven que sabia ser o sonho de Adriana, sem revelar como descobrira esse desejo.
Em todas as almas, como em todas as casas, além da fachada, há um interior escondido. Raul Brandão
Enquanto isso, outros moradores também tomavam decisões importantes. Lídia, abandonada por Paulino e rejeitada por sua mãe, enfrentava a perspectiva de recomeçar sua vida. Carmen partiu com o filho para a Espanha, deixando Emílio sozinho com sua liberdade recém-conquistada. Justina e Caetano Cunha permaneceram em seu casamento transformado pelo desejo físico, ainda sem saber como lidar com essa nova dinâmica. Maria Cláudia hesitava entre contar aos pais sobre o assédio de Paulino ou aceitar suas investidas em troca de ascensão social.
Abel, ao despedir-se de Silvestre e Mariana, prometeu visitá-los. Apesar de suas divergências filosóficas, havia desenvolvido um profundo respeito pelo casal que o acolhera como família. Partiu levando consigo as reflexões sobre amor e liberdade, ainda incerto sobre seu caminho, mas determinado a encontrar seu próprio sentido na vida.