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Resumo curto
José Saramago nasce em Azinhaga, aldeia que marca sua vida. Sua família muda-se ainda jovem para Lisboa, onde ele realiza seus estudos iniciais e começa a escrever. Ligado emocionalmente à memória dos avós maternos, ambos figuras fundamentais em sua formação ética, Saramago trabalha em diversos ofícios antes de dedicar-se integralmente à escrita após a Revolução de 1974.
Conhecido por ser um homem austero, coerente e rigoroso, Saramago expressa frequentemente visões críticas e pessimistas sobre a humanidade. Considera que os males como egoísmo e injustiça continuam dominantes, mas vê seu pessimismo como um desafio intelectual, alternando entre o cético e o utópico. Para ele, o escritor tem a responsabilidade cidadã de lutar com a razão e a palavra contra injustiças sociais e religiosas.
O que faz falta é uma insurreição ética. Não uma insurreição das armas, mas ética, que deixe bem claro que isto não pode continuar. Não se pode viver como estamos vivendo, condenando três quartas partes da humanidade.
Seu estilo narrativo único desenvolve-se a partir dos anos 80, com romances inovadores que exploram a história e a condição humana. Em 1998, Saramago ganha o Prêmio Nobel de Literatura, aumentando sua projeção internacional e permitindo-lhe ampliar a difusão de suas ideias críticas e reflexões éticas sobre a democracia, a política e os direitos humanos. Até o fim da vida, permanece politicamente engajado e firme em suas convicções comunistas e sua defesa rigorosa da ética e da razão.
Resumo detalhado por seções
As seções principais seguem a estrutura original da obra. As subseções foram criadas editorialmente para agrupar temas relacionados.
1. Quem se chama José Saramago
A primeira parte da antologia "As Palavras de Saramago" apresenta uma coleção de reflexões pessoais, literárias e políticas do autor, compiladas a partir de declarações na imprensa escrita. Esta seção explora a identidade do escritor através de suas próprias palavras, revelando sua trajetória de vida, visão de mundo, ideias e sentimentos.
A análise das declarações de Saramago ao longo do tempo permite reconstruir um mosaico de sua epopeia pessoal e autorretrato moral, revelando as circunstâncias marcantes de sua vida. Essa atitude é consistente com um escritor que se considerava matéria-prima de sua própria escrita e que praticava uma grande exposição pública.
Origens e memórias: Azinhaga e Lisboa
Azinhaga, aldeia natal de Saramago, representa um lugar fundamental para a formação de sua identidade e imaginário. Apesar de sua família ter se mudado para Lisboa quando ele era muito jovem, Saramago passava todos os anos suas férias em Azinhaga, no Casalinho de seus avós maternos, que se tornaram referências essenciais em sua vida.
Nós vivemos num lugar, como pode ser a aldeia em que nasci, mas no fundo habitamos uma memória. Portanto, inclusive quando eu estava em Lisboa, antes de vir para cá [Lanzarote], Lisboa já não era a minha cidade.
Em Lisboa, Saramago frequentou a escola primária, o Liceu Camões e a Escola Industrial de Afonso Domingues, onde desenvolveu o hábito da leitura. Nos anos 1940, começou a escrever poemas e, em 1947, publicou seu primeiro romance. Também trabalhou como tradutor, editor e jornalista. Após a Revolução de 25 de Abril, perdeu o emprego de diretor-adjunto do Diário de Notícias e decidiu dedicar-se integralmente à literatura.
Autorretrato e visão da vida
Saramago se descreve como um homem complexo e multifacetado, marcado pela melancolia e pelo sarcasmo, mas também pela coerência e pelo compromisso com seus princípios. Ele valoriza a bondade, a justiça e a busca pela verdade, e se mostra crítico em relação às injustiças e desigualdades do mundo.
Tentei não fazer nada na vida que pudesse envergonhar o menino que fui.
O autor se revela disciplinado, austero, melancólico, reservado, militante, coerente, firme em suas convicções, sério, severo, solitário, racionalista, áspero, cético, tímido, terno, antipedante, implacável, pessimista, polêmico, seco, leal, sincero, generoso, duro por fora e frágil por dentro, elegante, frugal, compassivo, inconformista, trabalhador, independente, distante, ético, imaginativo, comunista, solidário, orgulhoso, reflexivo, possuidor de um acentuado senso da dignidade, irônico, rigoroso, beligerante, meticuloso, relativista, português, sóbrio, sensível, honesto, incômodo, sarcástico e individualista.
Reflexões sobre o ser humano e pessimismo
A visão de Saramago sobre a condição humana contemporânea é marcada por um ceticismo que se manifesta em desencanto ao julgar a humanidade. Ele enfatiza a maldade presente nos comportamentos humanos, impulsionada pelo egoísmo, crueldade, intolerância, injustiça e violência.
Saramago considera que o caminho percorrido pela humanidade na construção do destino coletivo resultou em um balanço negativo, observável tanto na história quanto no presente. Para ele, a espécie humana "não tem remédio" nem "merece respeito", chegando a afirmar que "não merecemos a vida".
Seu pessimismo, no entanto, não é niilismo, mas sim um motor para sua resistência crítica e propostas de superação da deterioração do mundo. Sua militância política, intervenções civis e rebeldia literária o afastam de uma postura passiva. Saramago reconhece a falta de progresso da humanidade em bondade e respeito à vida, mas seu pessimismo impulsiona sua imaginação e práticas de dissenso, levando-o a se autodenominar um "cético otimista".
Confrontos com a morte e o divino
Saramago encara a morte com uma frieza asséptica e materialista. Ele a vê como o fim, o nada, uma consequência lógica da vida. Argumenta que a morte é essencial para a ordem social, como demonstrado em seu romance As intermitências da morte, onde a imortalidade gera o caos.
Quanto à religião, Saramago mantém uma visão crítica, apesar de reconhecer a influência da civilização cristã na formação dos indivíduos e das sociedades ocidentais. Ele identifica na crença divina uma variável importante na configuração das mentalidades, dedicando-se a combater essa dimensão com a razão e o laicismo.
Saramago critica a religião cristã, baseada no sacrifício e no sofrimento, e repudia a violência em nome de Alá no islamismo. Ele defende um pacto de não agressão entre as confissões, argumentando que as religiões separam e antagonizam os seres humanos devido ao fundamento excludente de seus ideários.
2. Pelo fato de ser escritor
A segunda parte da antologia explora a faceta de Saramago como um pensador sobre sua própria obra e a literatura em geral. Paralelamente à sua criação literária, Saramago desenvolveu um processo de reflexão e comunicação sobre seu trabalho, compartilhando informações sobre as motivações e os objetivos de seus livros, as histórias que os inspiraram e as origens de seu estilo particular.
Literatura e o ofício de escritor
Saramago vê a literatura como reflexão sobre o mundo além do imediato, mas também como parte integrante da vida, rejeitando idealismos românticos e a inspiração divina. Ele se considera um trabalhador metódico, comprometido e responsável, e vê como inevitável que a literatura contenha ideologia, desde que não seja explícita ou propagandística.
Considero-me um escritor realista mas não um romancista realista. O romance é um lugar literário onde tudo pode e deve caber. O romance é a expressão total. Aspiraria a que ele fosse uma espécie de suma, reunião de todos os gêneros.
O autor desmistifica a figura do escritor, considerando sua atividade como um "trabalho" comum, desprovido de auras românticas ou messiânicas. Ele enfatiza a constância, a disciplina e o trabalho árduo como elementos essenciais de seu processo criativo, buscando normalizar o ofício de escritor. Saramago se vê como um escritor de ideias, que necessita de conteúdos explícitos, geralmente ligados à realidade, para iniciar sua escrita.
Saramago defende que o escritor deve ser um cidadão engajado, que não se limita à sua dedicação à literatura, mas que assume suas responsabilidades como indivíduo na sociedade. Ele afirma que não usa a literatura para fazer política, mas que é vigilante para evitar a demagogia em sua obra.
Estilo narrativo e o papel do autor-narrador
O estilo inconfundível de Saramago consolida-se a partir de 1980, com a publicação de Levantado do chão, e se afirma em Memorial do convento (1982) e O ano da morte de Ricardo Reis (1984). Sua formação autodidata, combinada com a leitura de clássicos e a atenção à fala cotidiana, forma a base de sua dicção marcante e perspectiva narrativa abrangente.
Saramago vê a obra como uma extensão do próprio romancista, escrevendo para expressar sua identidade. Ele rejeita a figura do narrador convencional, atribuindo a si mesmo a responsabilidade pela elocução, considerando o livro como a expressão de uma pessoa, um grito vital do autor.
O que eu quero é que o leitor, quando se encontrar com um livro meu, quando o ler e chegar ao final, possa dizer: conheci a pessoa que escreveu isto. Embora não defenda um confessionalismo na literatura, me interessa dizer: aqui estou eu.
Nos romances de Saramago, o autor-narrador se torna uma figura central, capaz de reordenar a temporalidade, interferir no curso do relato, interpelar o leitor e governar as criaturas de suas obras. Essa mediação permite uma liberdade fabuladora e um compromisso com a palavra.
Romance, história e a obra literária própria
Saramago concebe o romance como um "lugar literário" que transcende os limites do gênero, incorporando elementos de poesia, drama, filosofia, ciência e ética, buscando uma expressão total da diversidade e complexidade humana. Para ele, o romance é uma manifestação de saber e uma aspiração ao conhecimento da realidade e do homem, refletindo as preocupações e a vontade do autor.
A relação de Saramago com a história em seus romances é fundamental, especialmente a partir da década de 1980, quando a história se tornou um fundamento de seus universos literários. Saramago rejeitou o rótulo de "romancista histórico", argumentando que suas obras não buscavam reconstruir o passado, mas sim "meter a História no romance", apresentando uma História outra, impulsionada pela busca da verdade coletiva.
Sua produção foi organizada em dois grandes ciclos: o primeiro, que se fechou com O Evangelho segundo Jesus Cristo, e o segundo, que se abriu com Ensaio sobre a cegueira. No primeiro ciclo, Saramago usou uma perspectiva ampla para examinar a História, enquanto no segundo, focou-se no ser humano, expondo a condição individual e coletiva.
Prêmio Nobel e relação com os leitores
Em 8 de outubro de 1998, José Saramago recebeu o Prêmio Nobel de Literatura da Academia Sueca, reconhecido por sua habilidade em tornar compreensível a realidade através da imaginação, compaixão e ironia. A notícia chegou a Saramago por uma aeromoça no aeroporto de Frankfurt, enquanto ele se preparava para retornar a Lanzarote após a Feira do Livro.
Saramago expressou surpresa, afirmando que "não nasceu para tal honra", mas prometeu usar o prêmio para promover a língua portuguesa. Ele reafirmou seu compromisso com suas convicções comunistas e posições públicas. A notoriedade global proporcionada pelo Nobel permitiu a Saramago amplificar suas ideias e fortalecer seu papel como polemista.
Saramago valoriza o vínculo especial que mantém com seus leitores, baseado em laços de afeto expressos em correspondências diárias, que revelam impressões sobre seus romances, confidências e avaliações sobre o impacto de sua obra e atuação social. Ele considera o leitor como a confirmação do romancista, defendendo que as obras completas deveriam incluir as cartas dos leitores que deram vida aos livros.
3. O cidadão que sou
A terceira parte da antologia explora a dimensão intelectual e a projeção internacional de Saramago como uma consciência moral, moldada por sua presença nos meios de comunicação. Profundamente afetado por conflitos sociais, políticos e humanitários, Saramago expressou seus juízos e opiniões de forma enfática e consistente, a partir da década de 1980, buscando unir o escritor ao cidadão, consciente de seus deveres cívicos.
Compromisso político e comunismo
Saramago filiou-se ao Partido Comunista Português (PCP) em 1969, tornando-se um militante ativo até o início dos anos 1990, mantendo seu vínculo ideológico até o fim da vida, apesar das transformações do marxismo no século XX. Ele defendia seus princípios com firmeza, praticando a autocrítica em relação aos desvios do comunismo, mas mantendo-se um anticapitalista e um "comunista hormonal".
Sua intensa colaboração com o PCP na década de 1970, incluindo intervenções ideológicas e participação em células, não o impediu de defender a autonomia da literatura. Ele acreditava que a mensagem ideológica em uma obra literária deveria ser sutil para ser mais eficaz. Saramago se via como um narrador reflexivo, defendendo sua visão, mesmo ao interpretar o comunismo, sem se assustar com a heterodoxia.
A palavra de que eu gosto mais é 'não'. Chega sempre um momento na nossa vida em que é necessário dizer 'não'. O 'não' é a única coisa efetivamente transformadora, que nega o status quo.
Cidadania e democracia
Saramago critica a apatia dos cidadãos e o abandono das responsabilidades cívicas, substituídos pelo consumismo, individualismo e falta de solidariedade. Ele defende a centralidade da cidadania na administração pública e na regeneração política, argumentando que a democracia sem participação ativa se torna um cerimonial vazio.
Falamos muito de democracia, mas o que é a democracia. Para os políticos, a democracia são as instituições... Mas não nos damos conta de que no mesmo instante em que coloca seu voto na urna o cidadão está realizando um ato de renúncia.
O autor critica a redução do cidadão ao papel de eleitor, o que implica uma renúncia ao direito de intervir na política, levando a um processo de deslocamento e desidratação democrática. A influência do mercado, a propaganda dos meios de comunicação e a delegação passiva de poderes aos representantes eleitos prejudicam o sistema e enfraquecem os verdadeiros protagonistas.
Ética e direitos humanos
A ética ocupa um lugar central no pensamento político e social de Saramago. O autor construiu seu sistema de convicções em torno de uma ética da responsabilidade e do respeito, defendendo códigos de boa conduta para orientar o comportamento pessoal e moderar as relações de poder e economia. Seu objetivo era humanizar a vida, seguindo a regra moral de não fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem.
Se decidíssemos aplicar uma velha frase da sabedoria popular, provavelmente resolveríamos todas as questões deste mundo: 'Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti'. Creio que todas as éticas do mundo se contêm nestas frases.
Para Saramago, os direitos humanos e os deveres humanos são inseparáveis, representando as duas faces da democracia. Ele desloca a responsabilidade da falta de atenção à Declaração Universal dos Direitos Humanos para os indivíduos e instituições, assinalando que a satisfação das obrigações éticas exige enfrentar as consequências da insolidariedade, desigualdade, injustiça e privação de liberdades.
Pensamento crítico e visão global
Saramago assume o papel de provocador intelectual, consciência insatisfeita e polemista, especialmente a partir da década de 1990. Ele defende a necessidade de "abrir os olhos" e elevar o julgamento à maior lucidez possível, buscando as facetas ocultas da verdade. Ele acredita que as verdades são múltiplas e que a mentira é global.
Com base nesses pressupostos, Saramago enfrenta o "pensamento único", opondo-lhe uma resistência moral e intelectual. Suas visões alternativas são expressas com clareza e autonomia, reagindo contra as deformações dos mitos e as limitações das versões oficiais. Sua voz ressoa, denunciando questões como a fome, os genocídios, a violência, o descumprimento dos direitos humanos e a desidratação da democracia.
Eu não encontro qualidades morais masculinas ou femininas, penso que as diferenças se encontram mais no plano da sensibilidade. Ao homem falta em geral algo a que chamamos sensibilidade.