azevedo/o-cortico
Resumo muito breve
Rio de Janeiro, final do século XIX. João Romão, um português ambicioso, construiu um império comercial a partir de uma pequena venda em Botafogo. Vivia com Bertoleza, uma escrava que ele libertou fraudulentamente através de uma carta de alforria falsa. Com o trabalho incansável dela e sua própria avareza, João Romão prosperou e criou um grande cortiço que abrigava dezenas de famílias pobres.
No cortiço vivia uma comunidade diversa: lavadeiras, trabalhadores da pedreira, imigrantes italianos e brasileiros de várias origens. Entre eles destacavam-se Rita Baiana, uma mulata sensual e dançarina, Jerônimo, um trabalhador português sério e trabalhador casado com Piedade, e Pombinha, uma jovem pura que todos admiravam. A vida no cortiço era marcada por festas, brigas, paixões e tragédias.
Jerônimo, inicialmente um homem íntegro e poupador, foi seduzido pelos encantos de Rita Baiana. Abandonou sua esposa Piedade e sua filha para viver com a mulata, transformando-se completamente sob a influência do clima tropical e da sensualidade brasileira. Piedade, devastada pelo abandono, entregou-se ao alcoolismo e à degradação.
Enquanto isso, João Romão ascendia socialmente. Reformou o cortiço, transformando-o numa "Avenida São Romão" mais respeitável, e começou a cortejar Zulmira, filha do vizinho Miranda, um comerciante que havia recebido o título de Barão. Para concretizar esse casamento vantajoso, João Romão precisava se livrar de Bertoleza, que se tornara um obstáculo aos seus planos aristocráticos.
Com a ajuda de Botelho, João Romão tramou a entrega de Bertoleza ao seu antigo senhor. Quando a polícia chegou para prendê-la, a escrava compreendeu a traição e, desesperada,
Bertoleza... já de um só golpe certeiro e fundo, rasgara o ventre de lado a lado. E depois emborcou para a frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue
Resumo detalhado
A divisão em capítulos é editorial.
João Romão e Bertoleza: o início da sociedade
João Romão chegou ao Brasil ainda jovem e trabalhou como empregado de um vendeiro em Botafogo por doze anos, economizando cada vintém que ganhava.
João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro... tanto economizou do pouco que ganhara... que afrontava resignado as mais duras privações
Quando o patrão se retirou, deixou-lhe a venda e algum dinheiro. João Romão conheceu Bertoleza, uma crioula escrava que trabalhava como quitandeira e pagava jornal ao seu senhor. Ela se tornou sua amante e sócia, cuidando da casa e ajudando nos negócios.
A construção do cortiço e os primeiros moradores
João Romão forjou uma carta de alforria para Bertoleza, libertando-a falsamente da escravidão. Com as economias dela, comprou terrenos e começou a construir casinhas, criando uma estalagem. O negócio prosperou rapidamente, atraindo trabalhadores, lavadeiras e pequenos comerciantes. Ao lado morava Miranda, um português negociante que se tornaria seu rival.
E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração
O cortiço se encheu de personagens diversos: a Machona, lavadeira portuguesa berradora; Pombinha, menina bonita e inteligente; D. Isabel, sua mãe viúva; e muitos outros trabalhadores e suas famílias.
A chegada de Jerônimo e Piedade
Jerônimo, um português trabalhador e honesto, chegou ao cortiço com sua esposa Piedade para trabalhar na pedreira de João Romão. Era um homem sério, metódico e de costumes simples, que rapidamente se destacou entre os operários por sua competência e honestidade.
O casal vivia em harmonia, com seus hábitos portugueses tradicionais. Jerônimo tocava guitarra nas noites de domingo, cantando fados melancólicos que falavam da saudade da pátria distante. Piedade cuidava da casa e lavava roupas para complementar a renda familiar.
Rita Baiana e a transformação de Jerônimo
Rita Baiana chegou ao cortiço trazendo consigo a sensualidade e a alegria da Bahia. Era uma mulata sedutora que dançava o chorado com uma graça irresistível, perfumada com essências tropicais.
Rita vivia com Firmo, um mulato capoeira violento e ciumento. Nas noites de festa, ela dançava no pátio do cortiço, atraindo todos os olhares masculinos com seus movimentos sensuais e provocantes.
Aquela música de fogo doidejava no ar como um aroma quente de plantas brasileiras... eram vozes magoadas, mais tristes do que uma oração em alto-mar
Jerônimo ficou fascinado por Rita. A mulata representava tudo que o Brasil tinha de sedutor e misterioso. Gradualmente, o português começou a se transformar, abandonando seus hábitos europeus e abrasileirando-se.
Naquela mulata estava o grande mistério... ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas... era o veneno e era o açúcar gostoso
A sua energia afrouxava lentamente: fazia-se contemplativo e amoroso... Jerônimo abrasileirou-se. A aguardente de cana substituiu o vinho
Piedade percebeu a mudança no marido e sofreu em silêncio. Jerônimo começou a beber, a fumar e a adotar costumes brasileiros, afastando-se cada vez mais da esposa fiel que o acompanhara desde Portugal.
Tensões crescentes e conflitos no cortiço
O cortiço fervilhava de paixões e conflitos. Pombinha finalmente se tornou mulher e casou-se com João da Costa, mas sua inteligência superior a levaria por caminhos tortuosos. Outros moradores viviam seus dramas: a Machona brigava constantemente, Florinda engravidou de um caixeiro que fugiu, e várias famílias enfrentavam problemas de infidelidade e violência doméstica.
O ciúme de Firmo crescia à medida que percebia o interesse de Jerônimo por Rita. O capoeira era violento e não hesitaria em usar a navalha para defender o que considerava seu. A tensão entre os dois homens se tornava cada vez mais palpável.
Piedade, desesperada com o abandono do marido, começou a beber e a se degradar. A mulher honesta e trabalhadora que chegara de Portugal transformou-se numa sombra de si mesma, consumida pela dor e pelo álcool.
Enquanto isso, João Romão continuava a prosperar, expandindo seus negócios e acumulando riquezas. Bertoleza permanecia a seu lado, trabalhando incansavelmente, sem suspeitar do destino que o amante lhe reservava.
A rivalidade com o Cabeça de Gato
Surgiu nas proximidades outro cortiço, o Cabeça de Gato, criando uma rivalidade feroz entre os moradores das duas estalagens. Os habitantes do São Romão foram apelidados de "carapicus", enquanto os do outro cortiço eram os "cabeças de gato".
A rivalidade se manifestava em brigas constantes, disputas por fregueses e um ódio mútuo que dividia o bairro. Firmo, após o conflito com Jerônimo, mudou-se para o Cabeça de Gato, aumentando ainda mais as tensões entre os dois grupos.
A situação se tornava cada vez mais explosiva, com os dois bandos se preparando para um confronto inevitável que envolveria todo o bairro.
Violência e tragédia: a morte de Firmo
O confronto entre Jerônimo e Firmo finalmente aconteceu. Durante uma briga violenta, o capoeira feriu gravemente o português com uma navalhada no ventre. Jerônimo foi levado ao hospital, onde permaneceu internado por meses.
Rita cuidou de Jerônimo durante sua convalescença, e o amor entre eles se consolidou. Quando o português se recuperou, planejou sua vingança contra Firmo. Com a ajuda de dois companheiros, emboscou o capoeira numa noite chuvosa e o espancou até a morte, jogando seu corpo no mar.
Jerônimo abandonou Piedade e foi viver com Rita numa estalagem da Cidade Nova. O português completou sua transformação, tornando-se preguiçoso e sensual, perdendo de vez suas características europeias.
Piedade, abandonada e desesperada, afundou-se no alcoolismo. A filha do casal foi retirada do colégio por falta de pagamento, e mãe e filha acabaram se mudando para o decadente Cabeça de Gato.
As aspirações sociais de João Romão e a família Miranda
João Romão, enriquecido, começou a almejar ascensão social. Miranda recebeu o título de Barão do Freixal, despertando a inveja do vendeiro. Com a ajuda do parasita Botelho, João Romão se aproximou da família Miranda, cortejando Zulmira, filha do barão.
O vendeiro mudou completamente seus hábitos, vestindo-se bem, frequentando teatros e aprendendo a dançar. Bertoleza, porém, representava um obstáculo aos seus planos matrimoniais.
A transformação do cortiço e a ascensão social
João Romão reformou completamente o cortiço, transformando-o numa "Avenida São Romão" mais respeitável. As antigas casinhas miseráveis deram lugar a habitações melhores, atraindo inquilinos de melhor condição social.
O cortiço aristocratizava-se... já lá se não admitia assim qualquer pé-rapado: para entrar era preciso carta de fiança e uma recomendação especial
Pombinha, após um casamento infeliz, acabou se prostituindo e vivendo com Léonie, uma cocote francesa. A inteligente menina do cortiço transformou-se numa cortesã de luxo.
O fim trágico de Bertoleza
Para se livrar de Bertoleza e poder casar com Zulmira, João Romão tramou com Botelho a entrega da crioula ao seu antigo senhor. Quando a polícia chegou para prendê-la como escrava fugida, Bertoleza compreendeu a traição e, antes de ser levada, rasgou o próprio ventre com uma faca de cozinha, morrendo em meio ao sangue. Nesse momento, chegava à porta uma comissão de abolicionistas para entregar a João Romão o diploma de sócio benemérito.